quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Olha, parece Paris!!

Sou cidadã americana por pura falta de estudo e televisão. Meus pais se casaram e resolveram fazer um mestrado nos EUA. Como se vê, nas horas vagas, não queriam estudar mais e nem deveriam ter TV, então, eu nasci! Foi na Carl Clinic, uma dessas clínicas para estudantes universitários. (Caso interesse, nasci de parto normal sem anestesia, depois de quase 24 horas fazendo mamãe sofrer).

Quatro meses depois, em uma data histórica, no dia da morte do John Lennon, os meus pais estavam de malas prontas para voltar ao Brasil. O meu pai trazia na bagagem o título de mestre em Direito Comparado e a minha mãe, coitada, trazia uma mala de fraldas descartáveis, já que esse artigo bebezístico era puro luxo em terras tropicais. Meu pai deve ter achado a própria mulher uma louca, mas eu teria feito pior: traria meia dúzia de malas abarrotadas de fraldas descartáveis!

Uns cinco anos depois, eu já tinha uma irmã dois anos mais nova, o estoque de fraldas descartáveis não existia mais, mas ainda faltava o título de mestre da minha mãe. Então, ela resolveu voltar para os EUA, estudar e terminar o mestrado.

Obviamente, não foi uma decisão fácil ou tomada do dia para a noite. O título de mestra custaria à minha mãe uma temporada de 4 meses longe das duas filhas e do marido. Mas ela foi buscar o seu ouro e nós ganhamos uma temporada com os nossos avós, já que o meu pai tinha que fazer valer o seu próprio título de mestre e não daria conta de tudo (os homens que me perdoem, mas dar conta de tudo é uma exclusividade feminina!).

Portanto, lá fomos nós morar num interior bem pertinho, o que permitia ao meu pai ir passar todos os finais de semana conosco. Alem dessa mudança, ganhamos uma nova escola, um novo clube, muitos novos amigos e a convivência mais próxima com os nossos primos queridos.

A verdade é que hoje eu poderia ver essa situação toda com o maior drama do mundo, mas tenho excelentes memórias e lembranças da época, até saudades.... Mas o detalhe que realmente importa para esse post é de que não havia tinha telefone à vontade como se tem hoje em dia, era caro e raro, portanto a visita do carteiro era digna de recepção real.

Através de cartas semanais, cartões inesquecíveis da tradicional Hallmark, envelopes coloridos recheados de fotos do campus e daquela cidadezinha universitária perto de Chicago, eu acabava me sentindo mais próxima da minha mãe e da vida que ela tinha longe de nós.

Fico imaginando como a minha mãe sobreviveu tanto tempo longe da família, a uma distância física que até me parece maior pela ausência de certos recursos tecnológicos (se alguém merece um Oscar, é o Mr. Skype!).

Recentemente, fui presenteada com o diário que a minha avó escreveu sobre esses meses que moramos com ela. É uma lembrança divina, deveria ser lida por toda a família, depois emoldurada página por página e exposta em algum museu muito importante.

Engraçado ver como a minha avó era uma grande observadora, pois além de relatar a quantidade de banhos que nos deu durante esse período (freak?) ela sempre me descrevia como uma menina brava e mal-humorada...

Mas, enfim, hoje, como mãe, me emocionei um montão com a leitura do diário e posso imaginar o que ele significou para a minha mãe naquela época.

Eram esses os recursos que pais e filhos dispunham para matar as saudades e imaginar o que o outro estava fazendo em um país tão, tão distante. Cartas, diários e cartões, muito lindo, quase poético.

*****

Ano passado, Maridinho e eu fizemos a nossa grande viagem desde que tivemos os nossos filhos. Foram 16 dias na Europa e reservamos uma semana para ficar em Paris, que foi o que mais despertou o interesse e a curiosidade das crianças, especialmente da Manu.

Eu tirava fotos durante o dia e tinha que mandar pra ela à noite, pois, assim, Manuzinha "viajaria" junto comigo e conheceria as mesmas coisas que eu.

Quando nos falávamos pelo Skype, ela mal olhava na minha cara, só olhava em volta, para saber onde eu estava, que lugar era aquele, o que tinha no meu hotel e etc. E, desde então, Paris é o maior sonho de consumo da minha filha, aquela que é a última (e única) das românticas de 4 anos de idade.

*****

Tudo isso para contar que estávamos indo para a praia, nada romanticamente excepcional, apenas o litoral norte paulista. Na descida da serra, já de noite, ela olhava serra abaixo e via as casinhas iluminadas, até que fala num tom de suspiro:

- Olha, parece Paris...

Maridinho pergunta:

- Você já foi pra Paris, Manu?

- Não....

- Então, como você sabe que parece Paris?

- Ah, Papai, porque eu vi no Ratatouille....

A coitadinha viu São Vicente lá de cima e se lembrou de Paris, aquela cidade muito, muito longe, que só os pais vão e que a ela só resta imaginar a partir de um rato cozinheiro e daquele corcunda que mora em uma enorme catedral....

*****

(Esse post não é um publieditorial, mas pode ser, caso a Air France ou qualquer outra companhia aérea que faz São Paulo - Paris, se interesse).



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17 comentários:

Carol Garcia disse...

até suspirei.

com a históriado diário e os olhinhos românticos da manu.

bjo bjo bjo

Dani Carvalho disse...

Que post maravilhoso !!!
Eu fiquei encantada com a sua avô ! Que sensibilidade em escrever um diário para sua mãe sobre a vida de vocês por aqui e depois de alguns anos te presenter com isso. Acredito que esse presente tenha uma enorme valor sentimental.
Lendo me bateu uma saudades enorme da minha vô e de momentos únicos !
Acho que a Manu deve ser a crianças mais romantica que conheço... em vez de sonhar com a Disney, ela sonha com Paris ! Que linda...
bjos

Re disse...

Nossa, que historia linda...sabe, qdo eu morei um ano nos usa, tb nao existia internet, email, nada..só os correios (ja que ligação internacional era muito cara). E la ia minha cartinha de 10 paginas pra minha mae, contando como estava minha vida de intercambista, e la vinha, depois de 20 dias, a resposta da minha mae, geralmente com uma caixa de sonho de valsas..essa expectativa pela chegada do carteiro era uma delicia. Tenho essas cartas guardadas. Um dia vou pegar pra le-las. Bjs

Unknown disse...

Camila,
Passei tres semana no EUA fazendo um treinamento e quase morri e me demiti na primeira semana longe da C.
Depois me acostumei e aproveitei meus momentos de liberdade, to shop til I drop e viajar sozinha.
O pior era de noite , sorte q temos Skype e teleones diarios.
Nao me arrependo de ter ido, mas nao sei se iria de novo.
Imagino a emocao do diario ! E a docura do comentario da Manu.
bj Carol P
www.motherlovedatabase.com

manu disse...

por isso que eu falo:quando vc fizer 15 anos,a vovó te leva!!!
São Vicente...Bha!!!!
bjo

Anne disse...

cameeeela eu amei esse post!!!
a história é o máximo, o diário da avó e consigo ver os olhinhos da Manu vendo Paris e Sao vicente!!!!
ai que magia!
bjo querida!

Ananda Etges disse...

Nossa Camila! Fiquei emocionada com a história. Linda! E a tua vó foi a precursora dos blogs maternos, hein? Fez um em papel para a tua mãe acompanhar cada momentinho longe de vcs! Beijos, Ananda.

Priscilla Perlatti disse...

Cá, que lindo conhecer assim a sua história. Fiquei imaginando o diário da vovó... Que bela blogueira ela daria, hein?
Amei o texto!
Beijo
Pri

Ps. Tem um livro lindo da Cosac Naify chamado Isto É Paris, de M.; Sasek. Manu vai amar (é que Stella compartilha do mesmo sonho que a Manu e a gente, incentiva!)

Anônimo disse...

Adorei!!!
Que idéia linda a da sua avó!

Eu faço um semanário para o Henrique desde que eu soube que estava grávida... Escrevo meus sentimentos, os acontecimentos das nossas vidas, o jeitinho dele e seu crescimento e desenvolvimento e um dia também darei para ele de presente! Acho que será muito legal para ele saber tudo o que acontecia com a gente desde que descobrimos que ele habitava a minha barriga!

Quanto a história de Paris... Que fofa!!! Um dia ela estará realmente em Paris e poderá fazer o sonho virar realidade!!!

Beijos!

Lívia.

Roberta Lippi disse...

Nossa, que lindo deve ser esse diário, Ca!!! Que legado bacana que a sua avó deixou! Deve ser muito interessante ter as impressões dos adultos sobre nossos comportamentos quando pequenos. Realmente memorável!!
E Paris... ah, Paris... deixa a Manuzinha pensar que é parecida com São Vicente. Beijos

Priscila Blazko disse...

Lindo texto. Amei.
Bj

Renata Senlle disse...

Lindo post!
- Corajosa sua mãe! Adorei!
- E que lindo deve ser esse diário...Tinha menos tecnologia, mas não menos poesia, né?
- E São Vicente é a nova Paris?? Se Paris é a cidade-luz, então ela tá certíssima! rsrsrs

bjk
Rê Senlle
http://umavidamaisordinaria.blogspot.com

Ilana disse...

Me emocionei com a história da sua mãe e da sua avó. Fiquei aqui só imaginando o drama que devia ser viajar naquela época, ainda mais por 4 meses. Que coisa linda esse diário!
E preciso falar: sua mãe é uma mulher de fibra, hein? Ganhou uma admiradora por aqui.
Bjos

Unknown disse...

Eu passei por isso.
O pai do breno morreu, vim estudar na Irlanda por 6 meses, ele ficou com meus pais, apesar de skype, ligações diárias (2 vezes por dia), e visitas a cada 2 meses ao Brasil, foi difícil, imagina como a sua mãe também deve ter sentido, mas olha, acho que por isso hoje em dia você é assim, descolada, viaja com o marido e deixa as kids em casa numa boa, coisa que eu vejo muito pouca gente fazendo.
Sua mãe te ensinou muito mais em 4 meses longe, do que você imagina...e todos sobreviveram, né?

Agora imagina como minha vida seria diferente se eu não tivesse vindo, a Chloe não teria nascido e nem eu, teria encontrado meu rosinha, hoje , claro, meu filhote está aqui comigo, sem sequelas e com um pai, o melhor que eu poderia esperar!

beijos

Roberta "Mimi" disse...

Hehehe Que barato esse post.
Beijo,
Roberta

Celi disse...

Adorei a ideia do diário da sua avó. Fiquei pensando que apesar da distância, da falta de tecnologia avançada as pessoas demonstravam mais os sentimentos, talvez se preocupassem mais... E a princesa da Manu comparando Sao Vicente e Paris...Amei! Que linda!
Sua mãe foi muito corajosa, hein! Bom não ter desistido dos sonhos e ter contado com pessoas tão especiais. Beijos

Maria Thereza Pinel disse...

Manu e suas pérolas!!!

Amei a história do diário; não sabia que você era americana... e o mais lindo, é o romantismo da Manu. Incrível como imaginei direitinho a carinha da Manu imaginando Paris!
E, quando ela for, ainda tem a EuroDisney lá pertinho! É só pegar um metrô que para na porta! Ela iria adorar ver o Ratatouille, na verdadeira Paris, não?

 
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